sexta-feira, 22 de abril de 2011

Uma nova era de inovação - ou caos em TI. Será que aplicações web poderiam substituir o Windows?

Esse é o tipo do exercício mental que atiça a curiosidade. Como seria a vida sem o Microsoft Windows? Para o pessoal do software livre e de código aberto, o sumiço do Windows – e, por consequência, o fim da hegemonia da Microsoft no mundo dos PCs – significaria uma espécie de renascimento para a tecnologia da informação. O software poderia finalmente estar livre das amarras corporativas que têm suprimido a inovação e usurpado o que há de melhor e mais brilhante nas pessoas.

Tal pensamento é incrivelmente crédulo, para dizer o mínimo. Em vez de liberar a tecnologia da informação (TI), o ocaso da Microsoft poderia jogar a indústria em um redemoinho apocalíptico de proporções bíblicas – não há lugar para visões hippies utópicas aqui. A saída de mercado da gigante de Redmond poderia causar um rompimento no cenário computacional de hoje, e questões como compatibilidade e interoperabilidade voltariam a um tipo de caos no estilo do Velho Oeste, algo nunca visto desde os tempos das três grandes do DOS: Lotus, WordPerfect e Ashton-Tate.

Não vá acreditar que a web iria de alguma forma preencher o vazio causado pelo fim do Windows. Apesar de o Google ter um bom discurso sobre a suplantação de modelos tradicionais de computação por um paradigma centrado na web, a verdade é que o pessoal de Mountain View não é menos sinistro quando se trata de planos grandiosos para dominar o mundo. A ascensão do Google – ou de qualquer competidor com presença dominante no mundo da cloud computing – deveria ser percebida como uma ameaça potencial à independência da TI. Como diz o ditado, nunca ponha todos os seus ovos de TI na cesta de um único fornecedor.

Mas vale ponderar as implicações de um mundo sem aquele logotipo brilhante e colorido do Windows. Um mundo onde os padrões são efêmeros e onde a criatividade e a inovação circulam de forma selvagem e desenfreada. Aqui, apresentaremos a visão da vida sem o Windows.

Aplicações cliente: dê adeus à consistência
O cenário das aplicações cliente será quase irreconhecível em um mundo pós-Microsoft. A depreciação do código legado em Windows API, somada à mudança rumo a um modelo de entrega totalmente baseado na web, vai abrir as comportas da inovação – e criar dores de cabeça em massa para o pessoal de suporte, que deve agora enfrentar a rica variedade de projetos de interface e de implementações que definem a experiência do usuário nas aplicações web.

Basicamente, você pode dar adeus à consistência. Com os desenvolvedores livres para criar suas próprias primitivas de interface, muitas decisões arbitrárias vão cavar seu caminho rumo ao grande inconsciente das interfaces de usuário. Passos para completar tarefas básicas – por exemplo, a manipulação e a formatação de listas de dados – vão variar enormemente entre implementações. E, embora as metáforas comuns da web (hiperlinks, form fields) continuem a funcionar como esperado, construções mais exóticas – como a versão ‘webificada’ de uma paleta de ferramentas – vão oferecer modos incrivelmente diversos de interação. Você ainda terá de clicar em coisas (ou, mais provavelmente, tocá-las na tela com o dedo ou uma caneta), mas o resultado de suas ações será tudo menos previsível.

A integração de aplicações será outro ponto problemático. Com OLE, COM e VBA fora do páreo, o trabalho de troca de dados entre aplicações cairá numa mistura de JavaScript e vários recursos e APIs baseados em nuvem. Em alguns casos – mais notavelmente, suítes de aplicações de um único fornecedor –, esta integração irá ocorrer de modo transparente na retaguarda. No entanto, sem um padrão robusto e amplamente adotado para troca de dados, será difícil atingir tal integração entre os vários silos específicos dos fornecedores que formarão as futuras instalações de cloud computing.

Um aspecto positivo do futuro das aplicações cliente pós-Microsoft será a eliminação do modelo tradicional de distribuição de software. As equipes de TI não terão mais que rastrear e gerenciar uma gigantesca biblioteca de aplicações instaladas em redes de PCs. Com tudo vindo da nuvem, os dias de pacotes MSI corrompidos e do inferno de DLLs que falham também serão coisa do passado. Toda sua infraestrutura de aplicação será totalmente dependente da conexão permanente à nuvem, o que fará da internet em si seu novo calcanhar de Aquiles.

Resumindo: espere por um aumento nos custos de suporte e de treinamento para dominar as funções mais comuns entre aplicações diferentes. Você também poderá querer atualizar seu plano de contingência para incluir os cenários de pesadelo pré-apocalíptico onde um operador de escavadeira derruba toda sua infraestrutura de TI, agora dependente da nuvem, com um movimento errado de sua poderosa pá.

Ferramentas para desenvolvedores: expurgos sangrentos e guerras de API serão os novos padrões
Tal como no caso das aplicações cliente, o cenário das ferramentas para desenvolvedor será profundamente alterado pelo declínio inevitável da API Win32. Os programadores vão enfrentar uma diversidade de decisões novas e potencialmente críticas de projeto, incluindo como criar uma interface funcional em um mundo onde as regras do velho Windows não mais se aplicam. O potencial para liberdade de expressão e de inovação verdadeira vai precisar ser equilibrado com a realidade de ter que testar mais e de assegurar que sua última ideia para um novo paradigma de interface revolucionária funcionará nos sistemas mais obscuros.

Um de seus primeiros desafios será atingir o nível de riqueza de interface do usuário com que você aprendeu a se acostumar na era pré-declínio do Windows. AJAX, CSS e HTML terão percorrido um longo caminho desde os dias em que YouTube e Facebook eram nomes familiares. No entanto, essas e outras tecnologias similares da web ainda serão restritas pelas limitações do modelo de documentos sobrepostos (underlying documents). E com as agências regulatórias decidindo pelo banimento do Adobe Flash (e soluções similares da RIA) para o bem da internet – que já estava entrando em colapso, sob o estresse de um quatrilhão de anúncios animados de Viagra – você poderá descobrir que as opções para a criação de uma interface atraente serão limitadas a imagens GIF estrategicamente posicionadas, tags DIV, e algum uso inteligente de bordas e sombras em tabelas HTML.

Outro problema será como integrar as aplicações recém-projetadas à web. A troca de dados na retaguarda por meio de APIs será predominante, cada uma com seu próprio grupo de fãs fervorosos, portanto será preciso escolher de forma sábia. A última coisa que você quer é que sua aplicação matadora feita para mudar o mundo seja relegada à obscuridade por causa da falta de interoperabilidade com o resto da nuvem.

Há um lado bom. A ausência do Windows significa que você nunca mais terá de se preocupar se há, no PC, a versão correta de uma DLL ou biblioteca crítica, e que é necessária para sua aplicação funcionar. Da mesma forma, o debate do tipo ovo-e-galinha sobre o framework .Net será finalmente resolvido (em favor da galinha). No entanto, os dias da interface padronizada já não existirão, e isso fará com que o trabalho de criação de aplicações consistentes, e que interajam com o usuário e com outras aplicações de maneira previsível, seja muito mais desafiador.

Ecossistema de hardware: o caos até que um novo senhor apareça
Talvez a consequência mais forte dessa onda de choque pós-Windows será sentida no mercado de hardware e de periféricos para PC. A ausência de um sistema operacional dominante causará uma fratura no cenário antes homogêneo de drivers para dispositivos, e os fabricantes irão à caça das plataformas populares do momento ao mesmo tempo que rejeitarão sua base legada. Plug and play (conecte e use) será substituído por “plug and pray” (conecte e reze) à medida em que os consumidores frustrados lutam para combinar seus aparelhos com as respectivas escolhas em sistema operacional, ao mesmo tempo que imaginam se irão lamentar suas escolhas quando a próxima onda de desenvolvimento disruptivo vier.

Neste mundo caótico da hiperinovação, os fabricantes vão procurar se alinhar com os líderes de mercado do momento. Os produtos serão julgados não por seus recursos ou qualidade de design, mas por quantos logos de “funciona com x” e “pronto para y” serão possíveis de serem colados em suas caixas. A compra de um novo produto se tornará uma partida doentia de Sudoku, em que os clientes lutarão para alinhar os valores de vários componentes no padrão correto de sequência. O sucesso virá quando alguém encontrar um grupo de produtos complementares que ostentem pelo menos um logo comum de programa de certificação – uma espécie de novo Santo Graal da TI pós-Windows.

A boa notícia é que a natureza não admite vácuo. Em algum momento, novos concorrentes emergirão para redefinir o ecossistema de hardware de PC em torno de suas plataformas particulares. Isso, por sua vez, vai causar um terremoto nas comunidades de hardware e software, e aquelas que apostarem na plataforma errada vão cair pelo caminho. Mas a questão real será: que tipo de força este novo líder ascendente mobilizará? Ele seguirá os passos da Microsoft e usará sua força de definição de padrões para elevar o nível do mercado? Ou adotará a estratégia da IBM dos anos 1980 e tentará consolidar suas garras da morte por meio de travas proprietárias e outras práticas anticompetitivas?

Resumo: só porque o Windows saiu de cena, não quer dizer que você deverá esperar um período de renascença na inovação em hardware. O mundo pós-Microsoft parecerá mais com um pesadelo caótico, cheio de feudos de fabricantes concorrentes e de tecnologias isoladas por muros – em outras palavras, um retorno à Idade Média do hardware para PC.

Abandonai as esperanças?
O quadro pintado aqui é, de fato, sombrio. Caos. Confusão. Um retrocesso às bizarrias que definiam a computação pessoal antes da ascensão da Microsoft.

No entanto, ainda pode haver esperança no horizonte. O Google pode provar ser um melhor líder da era pós-Microsoft do que predissemos aqui (apesar de seu recente confronto com a China ainda não inspirar muita confiança). Talvez o Google ajude a estabelecer padrões para a apresentação de dados e de conteúdo de aplicações por meio de interfaces centradas na web. Até a mudança para um ecossistema de hardware centrado em um sistema não-Windows poderá se mostrar menos disruptivo do que imaginamos – desde que se mantenha a tendência atual rumo aos aparelhos integrados e tudo-em-um (netbooks, tablet PCs).

Talvez as coisas funcionem bem. Ou talvez – e este é o cenário que consideramos mais provável – a Microsoft continue a cooptar cada tecnologia emergente e de mudança de paradigmas e aumentar sua força de base instalada de Windows para manter as comunidades de software e hardware focadas naquele logo brilhante e colorido. Quem prefere a estabilidade ao caos e a mudanças disruptivas sabe o futuro que quer ter.

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